sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Mary Jane e os puzzles

A minha história com puzzles é anterior ao que a minha memória permite evocar. Assim, o que sei acerca do meu envolvimento, e engenhoso talento, com eles vem de relatos da minha mãe que narra que eu deixava qualquer um boquiaberto com a rapidez com que os fazia. Na categoria puzzle incluíam-se aqueles que para mim foram os primeiros de todos: aqueles cubos onde era suposto encaixar formas geométricas. Depois parti para as peças grandes, para as mais pequenas, até que, algures no percurso, os puzzles desapareceram e não fui daquelas pessoas fanáticas por puzzles  como o início do meu percurso desenvolvimental faria adivinhar.

Achava eu! Depois de "ginasticar" a minha engenhosa mente cheguei à conclusão que nunca larguei os puzzles. A explicação pode ser simples: o meu pensamento naturalmente fluiu e evolui desde um estádio em que era meramente concreto para um estádio mais abstracto e criativo - estilo de pensamento com que desde logo me senti em casa. Para mim mais do que somar 2+2 e obter um resultado certo, passou a ter mais piada imaginar tudo o que poderia fazer com dois números "2". Por isso, a partir daí o meu puzzle favorito passou a ser não o puzzle visível, de pecinhas pré-estabelecidas, mas o puzzle das pessoas: desconstruí-las e reconstruí-las através da relação que tenho com elas, e a partir das peças que elas me dão ir montando o meu próprio puzzle. Por isso talvez quando falo dos meus casos clínicos diga que estou a "desmontar o puzzle" - e esta expressão acaba por atestar como a escolha da minha profissão foi tão genuína (fui buscar às profundezas do meu self uma paixão minha!).

Com isto, o puzzle será sempre uma metáfora que me acompanhará. Na vida, na formação da qualquer coisa que somos nós e as nossas relações, não deixamos de montar um grande puzzle, sempre à procura do melhor encaixe conducente a uma maior satisfação. Nisto, encontramos o lugar de algumas peças; enganamo-nos redondamente em relação ao lugar de outras; algumas peças nem tentamos encaixar ainda que as tenhamos observado (ao longe percebemos rapidamente que aquilo nada tem a ver connosco); sobrevalorizamos outras, achando que é aquela mesmo que falta no espacinho que identificámos e portanto fazemos de tudo para encolhê-la, esmagá-la entre as restantes acreditando que a podemos fazer encaixar porque afinal promete tanto...!, mas eis que uns tempos depois ou ela fica toda dobrada e encarquilhada parecendo não funcionar com o resto do puzzle (não fazer parte daquele jogo, não estar ali), ou automaticamente acaba por saltar fora. Nisto, não posso deixar de observar que há coisas concretas de que continuo a gostar muito. Coisas concretas que não deixam de estar abraçadas a todos os abstractos que acabaram por conduzir até ali. E o melhor momento concreto-abstracto é aquele de conseguir aquela pecinha que vai fazer com que tudo comece a funcionar. A peça-mestra que não só encaixa, mas que, podendo não ser a última, dá sentido ao que antes parecia um emaranhado complexo, conferindo-lhe justamente um sentido que por momentos achámos que seria impossível de alcançar! Ou seja, completa e complementa: faz-nos dar um passo à frente e fazer com que a montagem de todas as outras peças pareça mais célere, simples e apoiada. Ou seja, no final não se fica só com uma peça, mas com algo que move o todo e que faz com que ele pareça mais coerente e integrado. É a peça que desbloqueia... No fundo, faz com que se veja tudo melhor e com isso dobra o entusiasmo.

5 comentários:

  1. Adorei o texto! Fazes-me prender à leitura e isso é muito bom :)
    Escreves mesmo bem :)

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  2. Eu cá nunca achei piada aos "puzzles puzzles", os de brincar. Podia até brincar, mas não era o que preferia fazer. Agora a história é outra. os puzzles de que falas mais à frente no texto, esses sim, cativam-me.

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  3. Carolina, comentários como os teus são imensamente gratificantes :) sabes que quando acabei de escrever este post e vi quão extenso estava achei que ninguém se ia dar ao trabalho de ler?

    Martim, fico contente que tenhas gostado e espero ver-te (neste caso, ler-te!) mais vezes por cá.

    M, é como eu dizia, os puzzles-puzlles também ficaram bem lá no início da minha história :)

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  4. esses puzles, as vezes, são cansativos... mas lá que podem ser interessantes e desafiantes, isso tb é verdade!

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