Mas este post é parte do capítulo que me deu muitas voltas à barriga e que me lembrou como as palavras na educação de uma criança são uma ferramenta tão poderosa à qual desconhecemos o impacto na maior parte do tempo.
"(...) Em minha casa toda a gente falava baixo. A minha mãe dizia que a delicadeza é a coisa mais importante da vida. "Se fizeres felizes os outros, serás feliz também", dizia ela. Por isso, quando o meu tio começou a dar-me beijinhos na boca às escondidas, eu deixei. Das primeiras vezes virei a cara, disse que não queria, mas ele chamou-me de má, "menina má, pões triste o tio que gosta tanto de ti", e então eu deixei para não ser malcriada. Ele tinha uma boca grande, molhada, pegajosa como um polvo. Eu tinha quatro ou cinco anos. Depois começou a mexer-me no corpo, subia com os dedos por dentro das minhas cuecas e eu dizia "não gosto, tio, desculpe, não gosto, desculpe" e ele ria-se e dizia que não desculpava nada, que eu não tinha que gostar ou não gostar, que as meninas pequenas não têm opinião. A minha mãe dizia-me isto muitas vezes, que as meninas não têm opinião. Quando eu dizia que não gostava da sopa, ou que não queria ir a casa dos tios, por exemplo. Ou quando me levava às vacinas e doía. "Há coisas que fazem doer mas fazem bem aos meninos. Os crescidos é que sabem", dizia ela. Por isso, quando o meu tio começou a fazer-me doer eu não me revoltei. Queixei-me um bocadinho, chorei sem fazer barulho. Devia ir nos meus oito anos, nessa altura. (...)"
"A cabeleireira", Fica Comigo Esta Noite, Inês Pedrosa
crú e poderoso esse excerto.
ResponderEliminarTodo o conto é de uma inocência violentada que dói. Não só o assunto aqui em causa, mas todos os outros.
ResponderEliminarEsse excerto dói...
ResponderEliminarJá li vários livros onde são descritas situações semelhantes (li esse conto, inclusive), mas por mais "repetitivos" que sejam os argumentos destas histórias, nunca me deixam indiferente. Assusta-me saber estas passagens tão reais.
ResponderEliminarMary, que texto tão, mas tão forte. Tocou-me mesmo. Infelizmente o que está escrito aqui e´stá-se a passar noutro sitio, noutra casa, talvez bem perto da nossa. É terrivel e assustador.
ResponderEliminarPosso partilhar?
Tenho este livro na estante, mas ainda não o li. É impossível ler este trecho sem sentir uma espécie de revolta ou "não sei o que lhe chame"...
ResponderEliminarQue relato duro. Custa-me pensar que acontece mesmo, é impossível ficar indiferente.
ResponderEliminarFiquei com um nó na garganta! Que excerto tão duro!! Até estou baralhada, sem saber muito bem o que escrever. Se há temas que me dão repulsa é esse! Só de ter lido esse bocadinho sinto-me enojada!!
ResponderEliminarQue revolta!
Nó na garganta.
ResponderEliminarFiquei quase que paralisada. Tão forte o:
ResponderEliminarNão há palavras para descrever as sensações que este texto provoca... Horror, repulsa, nojo e todas essas palavras não parecem, nem todas juntas, conseguir descrever o assunto de que este texto trata!
ResponderEliminarLouco,
ResponderEliminarem tão poucas palavras é provavelmente das melhores descrições.
Uma Rapariga Simples,
todo o conto é horrível e pronto, pondo as coisas em palavras simples. Horrível mesmo. Fiquei às voltas na cama uma hora depois de o ler à conta de o ter lido mesmo antes de fechar a pestana.
Palavra Já Perdida,
ai que vocês com poucas palavras estão a dizer tudo o que é preciso e atestar o poder que este texto de facto tem.
J. Persoa,
assustam-me muito todas as histórias que trazem uma verdade dolorosa de mais.
Marta,
apesar da resposta seguir muito a posteriori, claro que podes partilhar, nem sequer é meu! :)
Jude,
tira-o já da estante. Inês Pedrosa não é só alguém capaz de nos proporcionar boas leituras mas que nos ensina a escrever. Não por escrever coisas bonitas, mas por ter um poder incrível de não tornar nada previsível mas tudo muito cru.
Carolina.,
ou quem ficar indiferente tem alguma coisa de estranho.
*S*,
também fiquei assim, aliás bem vês que as minhas próprias palavras antes do texto são poucas e vazias de significado pensando no que estava a sentir.
Ana,
tira, já passou :)
Maria.,
mesmo, mas deixei-o aqui essencialmente porque embora não seja para ler todos os dias, de maneira nenhuma, pode ser importante lê-lo.
Sara*,
tal e qual, é um texto que mais do que poder ser descrito/apresentado/comentado é sentido, certo?
Eu gostei. Por causa dessa inocência que se manteve, apesar de tudo. É doloroso, muito mesmo. Ainda assim....
ResponderEliminarDevo confessar que tinha um grande preconceito em relação à IP, mas depois desta experiência, fiquei fã. :)
Engulo em seco...
ResponderEliminarExatamente, ao contrário de Fernando Pessoa, não consigo intelectualizar a dor que sinto ao ler este texto, sinto-a apenas!
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